Dia Internacional das Meninas e Mulheres na Ciência | Entrevista com a professora de física Viviane Morcelle
Hoje, 11 de fevereiro, é o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. A data foi instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2015, com o objetivo de reconhecer e fomentar o papel fundamental das mulheres e meninas na ciência e tecnologia.
Dados da ONU indicam que apenas 33,3% das cientistas do mundo e apenas 35% de todos os estudantes de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês) são mulheres. No Brasil, a proporção é ainda menor: as mulheres ocupam apenas 14% das posições na Academia Brasileira de Ciências.
Para marcar a data e valorizar a importância da atuação das mulheres na ciência, a ADUR entrevistou Viviane Morcelle de Almeida, uma das duas professoras mulheres no Departamento de Física da UFRRJ. A trajetória da pesquisadora passa pelos centros de pesquisa em física mais importantes do país e também atua em parceria com laboratórios internacionais.
Entre a docência e a pesquisa, ela coordena o projeto da UFRRJ Meninas do Radium, que incentiva a inclusão de mulheres nas ciências exatas. A iniciativa venceu o prêmio de melhor trabalho e projeto de Divulgação Científica no III Encontro de Primavera da Sociedade Brasileira de Física, o evento mais importante da Física Nuclear do Brasil e um dos mais importantes da América Latina.
Na entrevista, Viviane fala sobre o que despertou sua curiosidade pela ciência, os principais desafios que enfrentou na área, sobre o projeto Meninas do Radium, entre outros. Confira.
O que despertou sua curiosidade pela ciência?
O meu interesse pela ciência começou quando eu tinha cinco ou seis anos de idade com a passagem do Cometa Halley, em 1986. Foi um alvoroço no país quando teve a passagem desse cometa, passava na televisão e eu fiquei fascinada. A partir de então tudo na minha vida girava em torno de estrelas e cometas. Na época fiz de tudo para papai tentar achar o cometa. Então isso balizou muito a minha vida. Passei a querer entender como as coisas funcionam, desmontava ventilador, desmontava rádio. Sempre perguntava para os professores como as coisas funcionam, tudo o que acontecia eu queria saber. Eu enlouquecia a professora de ciências no ensino fundamental.
Quais foram seus principais desafios para se tornar uma pesquisadora e cientista?
Não só pelo fato de ser mulher, mas também de ser de uma família de baixa renda com poucos recursos, ser oriunda de escola pública, tudo isso me trouxe desafios adicionais ao meu objetivo de ser uma cientista e permeou minha trajetória. Como dizia Bourdieu ‘a trajetória acadêmica é demarcada pela posição na pirâmide social, na sua origem’, e eu também acho que marca muito.
Quando ingressei em 2014 na UFRRJ eu era a única mulher do Departamento de Física. Também era a única quando fiz o curso de eletricista e em outros momento da minha vida. Mas quando estudei na USP, no laboratório de física nuclear do Pelletron da USP, não éramos minoria, nós estávamos de igual para igual na área da física nuclear, fazendo mestrado e doutorado.
Eu fiquei me perguntando porque aqui não podia ser parecido, porque na USP tinha representatividade feminina e nos outros lugares não. Isso me lembrou do legado da Marie Curie, porque ela também era uma física nuclear. Se tem uma ciência que tem uma mãe e um pai, é a física nuclear. E a partir da Marie Curie tivemos um legado de mulheres. Foi preciso determinação, organização, e ela incentivou essas mulheres.
Na sua opinião, por que a física é uma área com baixa representatividade feminina? E como o contato desde cedo com a ciência pode mudar esse cenário?
Eu creio que a sub-representatividade feminina, sobretudo em uma área dura como a física, tem raízes muito profundas e que ainda precisam ser estudadas. Dentre os principais motivos, eu acredito que está muito associada ao estereótipo de gênero, por exemplo, quando dizem que para ser física tem que ser muito inteligente, se dedicar e estudar muito, e quase sempre estas características não são associadas a nós mulheres, ou não são transmitidas para as meninas.
Quase sempre se atribui a meninas coisas associadas ao cuidado, como por exemplo os brinquedos. Para as meninas, sobretudo as da periferia, são dados brinquedos como bonecas e kits de cozinha. Enquanto os meninos ganham jogos de tabuleiro e videogames.
Para mudar isso, a gente tem que lidar com o fato de que o interesse pela ciência começa na infância. Então a partir do momento que essas meninas são associadas ao cuidado, isso vai se estender para a academia. Poucas mulheres são incentivadas desde pequenas a serem engenheiras, programadoras e astronautas. Elas não podem sonhar em ser o que não conhecem. Eu acho que isso se reproduz no que a gente tem aqui e lá na frente encontramos um teto de vidro.
Como a questão do gênero impacta a produção científica? O que a ciência tem a ganhar com uma maior participação das mulheres?
É importante ressaltar que a partir do momento que as mulheres estão presentes, a ciência é feita de forma diferente, pois a gente não pode abrir mão de tudo na nossa vida. Uma vez que o patriarcado está aí, ele estrutura a sociedade. Então o machismo é estrutural também. Ter mulheres na ciência vai impactar a sua produção. Nós, diretamente ou indiretamente, cuidamos de outras pessoas na nossa família, temos filhos, temos sobrinhos. Temos uma trajetória diferente, mas ainda assim somos únicas e podemos fazer uma ciência muito melhor.
A ciência é feita com qualidade, não com quantidade, então nós podemos sim trazer um novo olhar para essa ciência e para essa produção científica muito mais plural, muito mais cooperativa e com muito caminho ainda a se trilhar pela frente para trazer outras mulheres.
Assim como Marie Curie trouxe um legado para a física nuclear e para toda a ciência nuclear, nós podemos fazer um mundo e uma ciência melhor, com mães, com cuidadoras, com mulheres com deficiência, com todas. Ter mais mulheres, ter mais pessoas com deficiência, ter mais diversidade só tem como impactar positivamente a ciência. São novos olhares, novas experiências, novas vivências. É um olhar que pode trazer mais criatividade e com certeza quebrar estereótipos e preconceitos.
Você é coordenadora do Projeto Meninas do Radium, uma iniciativa para incentivar a participação de meninas e mulheres nas ciências exatas. Como surgiu essa proposta? E qual a importância deste projeto no contexto que ele está inserido?
A ideia do projeto Meninas do Radium era não só agregar mulheres e incentivar meninas a fazerem ciência, em especial física, mas sobretudo, incentivar as meninas da periferia a fazerem ciência, porque é onde essa ciência dificilmente chega. Também temos como propósito incentivar as pessoas com deficiência, porque eu sou uma pessoa com deficiência e sei quais são as limitações disso nas nossas vidas.
Além de incentivar as meninas e mulheres a fazerem ciência, outro propósito do projeto é assegurar que elas se mantenham e possam progredir na área, combatendo os assédios e estereótipos de gênero.
Desde o início a gente participou de editais da ProExt, e já no primeiro edital, antes do projeto ter esse nome, a nossa Pró-reitoria nos apoiou e nós conseguimos financiamento em 2018 e 2019. Em 2021 conseguimos o financiamento da FAPERJ e estamos aí até hoje. Já tivemos vários bolsistas e escolas, nosso objetivo agora é dar continuidade ao projeto apesar dos desafios que se postam. Acreditamos que é preciso trazer a ciência para a periferia e incentivar mulheres e meninas. A nossa universidade só tem a ganhar principalmente devido a sua localização no extremo da Baixada Fluminense, uma região de grandes desafios e desigualdades econômicas e sociais, que assim como toda a Baixada, ainda tem muitos desafios a superar. Projetos como esse só têm a ampliar a diversidade na nossa universidade e contribuir com a sociedade.
Que tipo de iniciativa a universidade pode adotar para aumentar a participação das mulheres na ciência?
O meninas do Radium é financiado por um edital da FAPERJ específico para mulheres desde 2021. Isso nos possibilitou criar dois núcleos além do Departamento de Física. Editais como esse são extremamente importantes para que a gente possa financiar pesquisas, bolsas e ampliar o desenvolvimento científico do nosso país, principalmente nas áreas das ciências duras. Esse edital é voltado para as ciências exatas. Inclusive agora, neste dia 11 de fevereiro, Dia Internacional das Meninas e Mulheres na Ciência, sai o segundo edital da FAPERJ nessa linha. Iniciativas como essas deveriam ser adotadas inclusive pela nossa universidade, com editais específicos para mulheres, para que a gente possa promover cada vez mais uma ciência melhor e mais diversa.
Qual mensagem você gostaria de deixar para as meninas apaixonadas pela ciência neste dia 11 de fevereiro?
Gostaria de felicitar todas essas meninas e mulheres e dizer para todas elas que o não elas já tem. Uma porta fechada elas já tem. Sigam em frente por mais impossível que pareça, foi isso que eu fiz. Você só vai saber se a porta está fechada se você tentar abrir. Se for preciso chute o balde.
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